VII
 

Chegamos assim, em determinada etapa, que nos capacita a tentar responder uma das perguntas anteriormente formuladas: em que nível de evolução encontrava-se a inteligência de nosso ancestral quando vislumbrou pela primeira vez em sua mente a idéia de utilizar o fogo? Parece-nos não restar dúvidas que para tão importante achado, a nível mental do ser para a época, encontrava-se em um estágio que o pensamento imaginativo deveria estar presente, e com certo grau de desenvolvimento, em alguns indivíduos poderia ser mais elevado, proporcionando assim a descoberta.

Ao certo, repetindo novamente o que já dissemos, vencendo o medo atávico que o fazia afastar-se compulsoriamente do fogo, alguns indivíduos, dotados de uma maior lucidez e imaginação, notaram que após os grandes incêndios poderiam, sem receio de queimarem-se, permanecer próximos as chamas remanescentes, daí então, até concluírem que poderiam, com cuidado, levar esses braseiros para os acampamentos foi pura conseqüência.

Para entendermos melhor esse feito fabuloso para a sua época, e o valor de sua abrangência no futuro, para o aprimoramento evolutivo da espécie, teremos que obrigatoriamente revisarmos alguns pontos do processo de expansão desse cérebro: de seu início até o momento em que se encontrava no sentido de seu desenvolvimento, quando possibilitou a nossos ancestrais utilizarem esse elemento natural.

Partindo da etapa primordial, onde os seres pré-históricos davam os primeiros passos no que seria para eles, agora, seu novo ambiente; e de onde também forjariam, daí por diante, todo o seu processo de evolução desenvolvido nas planícies. Veremos que esse mesmo homem, inicialmente pouco ou quase nada diferia, diferença entendida como condição intelectual das demais espécies vivas. O novo ser era ainda guiado por instintos, como todos os outros habitantes do ambiente em que viviam, então, também era condicionado pela implacabilidade que essas primitivas formas de instinto concediam as suas ações, estreitando seus atos na rotina de um ciclo. Procurando eliminar as margens que os deixariam expostos a erros que não saberiam como corrigir. Assim agiam e agem pela própria característica que a natureza conferiu a essas mentes simples.

Despidos de qualquer clareza mental, posto diante de alternativas novas não saberiam como avaliá-las. Dessa maneira, a sobrevivência dependia da "rigidez" de suas ações. Essa imutabilidade em relação aos estímulos instintivos, acabariam formando um círculo, aprisionando nele, o ser, e onde as mudanças só ocorreriam no âmbito de adaptações ambientais a sobrevivência da espécie. Todavia, como também já vimos, ocorreu que, à exceção de todos os outros organismos vivos, nossa raça antepassada, pela integração de diversas condições naturais, ditadas pela evolução, veio a ter as condições singulares, segundo as quais proporcionar-lhe-ia uma nova direção na forma como evoluiria, fazendo divergir desse inicial e primitivo estágio em que se encontrava , e que, como vimos, o igualava aos seres irracionais; dando assim, a seguir, um novo curso no seu aprimoramento, inusitando no ambiente natural e que o faria quebrar um "pacto" com esse mesmo ambiente, desde quando a vida surgiu no planeta. E dessa forma desvincular-se dele pela maneira como agora conduzia a sua evolução, direcionando a um desenvolvimento intelectual. Desenvolvimento esse, que era antagônico com o próprio desenvolvimento de sua estrutura física. Em conseqüência, alcançou a consciência extinguindo-se totalmente da natureza, e sendo assim, distinguindo-se também de suas leis e regras milenares.

Não fazendo mais parte intrínseca desse meio, esse ser emergente, nessa caminhada sem volta que lhe foi dado a trilhar, teve que criar suas próprias leis para conseguir a sobrevivência, pois, ao contrário de modificar para adaptar-se ao novo ambiente, esse longínquo ancestral humano, de forma inédita, agora modificava o ambiente para conseguir adaptação.

Sua sobrevivência passava a depender, como vimos, de um maior desenvolvimento intelectual. Sua disputa pela vida não era mais só contra as forças naturais, e sim contra seus próprios "pares".

Nos grupamentos isolados que formavam passaram a encontrar seus verdadeiros contendores, caldeados que foram na mesma conjuntura de fatores que os fez trilhar idêntica direção evolutiva, e por isso forjando as características que os condicionou pertencerem a uma mesma espécie. Por uma ironia imposta a própria complexidade de sua evolução e, de certa maneira, pelas leis primordiais que vêm com a vida desde seu surgimento, os grupos humanos ancestrais que formavam-se e desenvolviam-se paralelamente, eram entre si seus maiores rivais no universo natural.

Consequentemente, na luta pela vida que travam constantemente, até o próprio homem, senhor de todas as criaturas, encontrou paralelo no qual medir-se. Todavia, agora tinham elevado essa "luta" milenar em que travavam todos os seres vivos em busca da sobrevivência, a uma dimensão superior.