VI
 

O homem até essa época, anterior ao fogo e sua utilização, excetuando seus instintos primordiais que ainda detinham a primazia de direcionar as suas ações principais, possuía habilidades manuais e uma já dimensionada capacidade visual, esta última, até então, exótica na medida em que dava ao ser a capacidade de dimensionar e memorizar os objetos no espaço. Foi adquirindo e incorporando aos seus novos arsenais mentais, que possibilitaram os primeiros vislumbres de lucidez em seu cérebro emergente. Emergente no sentido em que vinha tentando "brotar" desde o início de sua caminhada, imediatamente e ao tempo em que descendo das árvores, distanciando-se do "tronco" que o originou, adaptou-se a uma postura mais ereta, que lhe foi dado adquirir e que lhe permitiu as condições para desvincular-se, como já vimos, do berço natural.

Desvinculo entendido como uma desesperada forma para uma nova adaptação, visto que o ser foi jogado literalmente "desarmado" em um meio que lhe era hostil.

Adaptou-se e chegou ao homem atual, desenvolvendo a sua inteligência e, sendo assim, evoluiu para uma forma, até então, inusitada e que diferiria de todas as espécies.

Possuíam também, um início de estrutura social, com divisão igualitária de tarefas, e um ainda que precário, sistema inicial de linguagem.

Quando adquiriram habilidade com as mãos no uso de instrumentos, possibilidade conseguida pelo seu andar ereto, o qual lhe liberou os membros superiores da tarefa de locomover-se, foi que esse ser começou, efetivamente, a esquadrinhar em seu cérebro, quase que totalmente instintivo, os primeiros reflexos dessas alterações.

Por conseguinte, áreas inativas dessa mente, condicionadas em instintos milenares, começaram a dar mostras de um início de aprendizagem.

Tudo convergia para o desenvolvimento desse cérebro, conseqüência das fases iniciais, de sua formação, quando a necessidade das diversas adaptações por que passou, o conduziram a seguir seu direcionamento evolutivo.

Assim sendo, esse ser, diferindo de tudo no meio natural, com seu novo cérebro, em detrimento dos demais órgãos do seu corpo, expandia-se, abrindo por entre suas entranhas de massa cinzenta, espaços onde anteriormente eram ocupados por instintos implacáveis, para que de forma progressiva e emergente, desse lugar a imaginação e o aprendizado. Do aprendizado, desenvolvido a partir, principalmente, de habilidades manuais, adquiriu o talento, forma elevada de instinto, herança que transmitia a seus descendentes.

O antigo e condicionador instinto eram, aos poucos, afastado para dar lugar a essa nova orientação mental que surgira - o talento específico - fazendo dessa nova condição que desenvolveu o cérebro ancestral, um instinto superior.

Com isso, de forma singular no ambiente natural, seres de uma mesma espécie já podiam ser "julgados" por habilidades diferentes, que os tornavam divergentes sobre vários aspectos.

O talento, então, que brotava de forma aleatória nesses remotos ancestrais e os tornava entre si únicos e específicos em algumas áreas, e que também, acompanhando as modificações do tempo, vêm com o homem até os dias atuais, seria uma evolução superior de um instinto, derivada por ele do antigo condicionamento primitivo.

Começavam a surgir no novo ser as primeiras diferenciações no âmbito de seu consciente, e que derivariam para forjar um início de individualidade, que tanto iria caracterizar a raça.

Dessa maneira, repetindo, a partir da habilidade em utilizar objetos, entre outras capacitações, ganhas no decorrer evolutivo, esse distante antepassado, estimulou em seu ascendente intelecto, zonas para reter e transmitir conhecimentos, que o possibilitou, saindo dos sentidos primitivos, uma graduada forma de inteligência.

A partir desses fatos, desencadeiam-se novas situações de favorecimento, que dariam condições ao ser para uma maior abertura mental.

Sendo assim, no encadeamento dessas situações favoráveis, que a evolução lhe proporcionava, no âmbito de seu cérebro emergente, foi que certamente conseguiu chegar a uma das maiores prerrogativas do intelecto humano - a imaginação - forma superior de artifício cerebral, que o levaria a um patamar bem mais alto na escala de valores, o comparando aos demais seres vivos. E que, transcendendo a tudo isso, lhe daria o poder de imaginar e criar, buscando e tendo condições o novo ser, de procurar alternativas novas.

Consequentemente esse artifício por ele conseguido ao longo de seu esforço evolutivo, mais do que tudo, servir-lhe-ia, pela lucidez que dotou sua mente, como estimulador, para novos saltos no desenvolvimento mental.

Fazendo a capacidade de visualizar, aprender e reter esses conhecimentos, os quais lhe proporcionaram a derivação superior do talento específico; combustível para mediar novos valores superiores de inteligência. Assim, de forma sucinta, falamos novamente do valor que o poder de imaginar e criar trouxe a esses antepassados do homem; forma mental muito superior aos estágios em que se encontrava o ser, quando detinha maneiras rudes de raciocínio e capacidade de aprendizagem; mas, que nos primórdios da espécie, proporcionou erguer-se do mais cego instinto para formas superiores de capacitação mental.

Poderíamos, então dizer, repetindo o que falamos, ser a imaginação do cérebro humano, sua mais importante prerrogativa, e que, sem dúvida alguma, é a que o torna ainda mais inusitado e afastado das outras espécies. Foi-lhe proporcionado pela conjugação de todos os fatores anteriormente descritos, entendidos como os "degraus" de seu desenvolvimento intelectual, e por isso mesmo, tornando-se superior e "mola mestra" que nortearia, no âmbito consciente do ser, todas as suas ações a partir de então.

Dessa nova característica cerebral, podemos também assim dizer, a forma intelectual mais aperfeiçoada que "flutuava" dentro da abertura de lucidez desses primeiros homens, é que de onde sairiam agora as "sementes" que possibilitariam às novas gerações alcançarem níveis maiores de inteligência, e consequentemente do conhecimento; servindo, por conseguinte, como trampolim para novos saltos evolutivos que haveriam de vir na mente do homem. Todavia, mesmo esse gigantesco sentido cerebral, que é a imaginação, está subordinado e lhe é conseqüência, a abertura elucidativa que conquistaram os ancestrais da espécie em determinado período de sua evolução, abrindo-lhe por entre instintos implacáveis, espaços para a compreensão e conscientização.

Dessa misteriosa atitude nova de "ver" as coisas e procurar entendê-las, que alcançou o homem com a consciência, é que verdadeiramente processa-o, e que, da mesma forma caldeia-o dentro de seus limites transcendentais, as variações que o tornam apto a passar para as novas gerações uma conscientização cada vez mais abrangente.