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Vimos acima, de um novo ângulo, aspectos anteriormente descritos sobre o comportamento do nosso antepassado pré-histórico, compreendido no período anterior à descoberta, por ele, da utilização do fogo. Do que narramos, algumas indagações foram surgindo e da mesma forma procuraremos respondê-las, isto é, na continuação do que estamos nos propondo. Vamos, então, novamente, para situar-nos, rever alguns tópicos falados.

Comendo crua, a carne das caças que abatiam, suas feições eram ainda rudes, com maxilares e dentes proeminentes e fortes. Já possuíam habilidade manual suficiente para segurarem e trabalharem os alimentos. Assim, bem longe estavam de seus primordiais ascendentes; medindo essa distância, no sentido em que propunha a esses seres sua própria evolução. Evolução essa, que lhes era processada de maneira progressiva.

Entende-se, então, nessa pequena distinção evolutiva entre dois seres que se sucediam, a separá-los apenas pela distância do tempo, a linha do desenvolvimento em que trilhavam. Modificando o ser naquele estágio em que se encontrava e totalmente inserida na direção pré-estabelecida, podemos assim dizer, no sentido de como evoluía esse mesmo ser.

Continuando o raciocínio anterior, a respeito de aspectos do desenvolvimento evolutivo desse ser antepassado, veremos que mesmo com as habilidades que possuía, nosso longínquo ancestral ainda necessitava de uma potente musculatura facial para impulsionar seus também fortes dentes e ossos maxilares. Como conseqüência direta, a necessidade de mastigar e deglutir com eficiência a dura e fibrosa carne crua, base de sua alimentação.

Muito dos nutrientes alimentícios que conseguia, era conduzido para estas áreas do seu corpo, deixando o seu tecido cerebral, ainda que incipiente, sem a necessária nutrição que já pedia nos seus pequenos arroubos intelectuais, e que então, o ajudaria a impulsionar-se e desenvolver-se mais.

Estabelecia-se assim, um ciclo que se perpetuava e que da mesma forma, aprisionava o ser em um mundo muito primitivo, onde o corpo e o cérebro se eqüivaliam e não podiam dissociar-se em forma que se divergissem muito, entendendo-se como sendo um desequilíbrio quantitativo, visto que um eqüivalia, garantia e dependia do outro.

Não sendo priorizado pela alimentação do ser, que estimulada por áreas mais atuantes o relegava a planos menores, o cérebro desse antepassado do homem, não podia dar continuidade ao plano traçado para a evolução de toda a espécie, e que teria nele de maneira progressiva e única o ponto de convergência e direcionamento dessa mesma evolução.

Sendo assim, o ser permanecia, como falamos então, preso a instintos, que por sua vez, necessitava de uma armação forte para suprir as deficiências condicionadoras desse mesmo cérebro. Só quando surgissem as condições necessárias para esse ser romper com o ciclo primitivo em que se encontrava, o qual veremos de forma mais elucidativa adiante, foi que áreas maiores de sua mente puderam ser irrigadas com nutrientes alimentares adequados e, da mesma forma esse cérebro emergente pôde então, continuar na direção delineada no sentido de sua elaboração. Criando assim, alternativas novas que os instintos inadequados que possuía, não dariam a ele, em face de sua estrutura física e do meio em que habitava, respostas que o possibilitassem um despojamento corporal maior do indivíduo que o faria, então, mais delgado e dessa forma, conseguiria desviar substâncias alimentares mais importantes para seu intelecto, o qual responderia a esses estímulos, desenvolvendo-se e cada vez mais necessitando, desses nutrientes, que agora lhe eram enviados.

Rompido o ciclo e alcançando uma elaboração mental mais superior, adequando-se ao próprio sentido que buscava em si a evolução, pôde garantir a sobrevivência de seu organismo corporal que se fragilizava, para levar avante seu aperfeiçoamento intelectual que lhe era vital.

O ciclo, como já dissemos, que aprisionou esses seres por muito tempo em um patamar primitivo em nível de cérebro; dominado quase que totalmente por impulsos instintivos; ainda que o novo ser estivesse, mesmo assim, muito além das demais espécies, foi finalmente rompido.

Com a descoberta da utilização do fogo, pôde no calor e na claridade que suas labaredas proporcionavam-lhe, alongar sua convivência com os demais indivíduos da raça. E, alimentando-se com a carne cozida por ele, pôde afinal desvencilhar-se dos resquícios remanescentes de sua antiga roupagem muscular exagerada e, da mesma forma, seguindo os parâmetros evolutivos, torneando para uma adequação mais próxima da humana, sua estrutura facial, então, grotesca.

Assim, de uma maneira sucinta, pela forma como narramos, percebe-se também a importância da descoberta da utilização do fogo, ainda que conseguido na sua forma natural, sem que soubesse ocasioná-lo. Com o fogo, como falamos, esse ser pôde, no calor dos acampamentos, aumentar seu convívio social, aprimorando sua linguagem, e consequentemente, adentrando na noite pela primeira vez.

Com efeito, um novo degrau importantíssimo e quem sabe de alcance ilimitado, no sentido do valor proporcional que trouxe consigo, medido na dimensão do seu tempo.

Repassamos então, de forma novamente pouco aprofundada, o comportamento dos grupos humanos no período compreendido como antes e logo após a descoberta prática para esse elemento natural, o fogo, que sem dúvida alguma ficará como marco divisório na história da evolução do homem.

Podemos tentar dimensionar e dar sentido às diversas indagações que essa descoberta trouxe consigo, extrapolando o fato em si e sua importância para a época em que surgiu. Indagações essas, relativas à luz que deve ter brilhado, emergida de algum recôndito daqueles cérebros primitivos e que proporcionou as condições para sua descoberta.

Dessa maneira, nos faz suscitar outra interrogação: como essa mesma luz foi alcançada por esses seres, então, primitivos, desemperrando-os do ciclo estacionário em que estavam mergulhados? Por último, indagamos como foram vencidas as várias etapas anteriores na sua evolução, para conseguirem chegar a esse degrau elevado em seu desenvolvimento? A essas perguntas e a outras que possivelmente virão, procuraremos respondê-las no decorrer desta narração.