II
 

A natureza mostrava todo o seu esplendor nessa manhã bela e radiosa. Filtrado por entre as ramagens das árvores, os raios de sol lhe davam características surrealistas, e a todos os seus seres; dimensionando-os em suas formas e atitudes. Fazendo dela, na medida em que divergia de seus habitantes naturais, no contraste dentro do conjunto que formavam um imenso palco, onde, todos os seres que transitavam por seus domínios representavam marionetes díspares no movimento da vida.

Assim sendo, de uma maneira sucinta e simbólica procura-se idealizar todo um ecossistema em aparente sintonia, e que assim poderia vir perdurando há muito...; vindo de um passado perdido na vastidão do tempo.

Para bem representarmos esse sistema ecológico, aparentemente ajustado, vamos nos situar, transportando-nos, com nossa imaginação, em uma extensa faixa de florestas camufladas entre vales profundos e rios sinuosos, entrecortando altas montanhas; sendo que, por fim, resvalando em desvãos sucessivos, davam na verdura seca e rala de uma planície.

Entretanto, toda essa unidade com aparente interdependência começou, no sentido em que se desajustava seu regime de águas, a dar mostras de exaustão no seu todo ecológico. Fazendo dos primeiros desequilíbrios atmosféricos que começavam a ocorrer na região, as primeiras rachaduras, podemos assim dizer, na perenidade que ilusoriamente a natureza deixava transparecer. Conseqüência de imemorável recuo com que vinha do passado, tornando-o, dessa forma, aparentemente imutável.

Assim, todo o conjunto vivo desse meio ambiente começava a padecer pelos efeitos da pouca umidade, sentida por toda a região. Na parte da floresta, à entrada do vale, várias espécies de primatas habitavam as altas copas das árvores. Consequentemente, a constante desarmonia no clima também lhes afetava e lhes causava transtornos na sua busca pela sobrevivência. Sendo assim, mesmo na segurança das árvores que compunham esse grupo vegetal, começava a faltar alimentos para todos.

Algumas espécies, por reproduzirem-se mais e terem um número maior de indivíduos, impunham-se sobre os outros, negando-lhes alimento. Assim sendo, as espécies de primatas minoritários urgiam obter um novo ambiente para habitarem, adaptando-se a uma nova forma de sobrevivência. Todavia, como em tais condições conseguiriam essa adaptação em um meio natural desconhecido e para o qual a espécie expulsa de seu antigo habitat não estava adaptada? Logo, não haveria comida para todos e muitos teriam que buscar esse alimento no chão. Aconteceu, porém, que: de um grupo minoritário de primatas (que foram excluídos por bandos maiores na falta de alimento), alguns começaram a nascer com características físicas diferentes do restante da espécie.

Alguns indivíduos surgiam, exemplificando, sem sua cauda preênsil, que os auxiliava para locomoverem-se no cimo das florestas; ou, com a coluna vertebral menos rígida, dando ao novo ser a possibilidade de uma postura mais ereta. Eram seres mutantes que nasciam; fenômeno natural e ocasional, que como já vimos, proporciona à natureza e que dá às espécies condições de adaptação para uma eventual mudança ambiental.

Assim, condicionando-os à seleção natural, que propiciará, aos que tiverem melhores características de adaptação, a sobrevivência.

Esses seres então, já na planície, andando aos rés do chão, com as características novas aceitas pela seleção natural, foram distanciando-se de sua espécie original, de onde provinham. E, seguindo o curso de novas adaptações, esses seres de aspecto exótico, andando de forma estranha, largaram as cercanias das florestas, e, olhando sempre o horizonte, ganharam a vastidão das planícies.

As dúvidas que teriam suscitado a esses, que eram os primordiais ancestrais do homem, ao olharem para a vastidão do horizonte, tiveram as respostas em nós, homens de hoje. Sendo que, novamente deparava-se com o horizonte desconhecido e fronteiras novas a conquistar, agora muito mais abrangentes e inóspitas, mas que, na escala de importância e dificuldade que tem e tiveram, nas respectivas épocas, para a espécie humana, aqueles passos iniciais e as novas fronteiras humanas encontradas hoje, se equivalem.