I
 

A noite prosseguia em seu ritmo lento, cobrindo com seu manto negro toda a abóbada celeste. Mas, já prenunciava um novo dia. O sol por trás do horizonte, tornava nítidos seus primeiros raios de luz. Logo o véu da escuridão desapareceria, aspirado pela claridade de um novo dia.

A vida, ao seu abrigo, lhe é subordinada. Na luz do sol encontrou as condições de surgimento e sobrevivência. Na escuridão da noite, renova-se e repousa. Inserida nesses aspectos primordiais, ela surgiu e de acordo com suas regras e condições, evoluiu, atingindo com o homem a consciência.

De posse de tão formidável instrumento que lhe foi concedido pelo esforço vital, esse ser pôde revolucionar modificando todo o meio natural em que vivia.

Por conseqüência direta, então, de seu aprimoramento intelectual esse ser iniciante, primordial ancestral dos homens atuais, inovando na natureza pelo caminho exótico que a evolução impôs a trilhar, já não era mais um simples reflexo do "berço" ambiental de onde surgiu; mas, sim, já um reflexo das transformações que seu cérebro em evolução lhe proporcionava.

Segundo essa linha evolutiva concedeu-lhe a capacidade de aprender, imaginar e criar. Capacidade essa aprimorada, como já dissemos, nas diversas etapas do tempo e em comum acordo com as adaptações que lhe eram impostas, inovando na natureza, um desenvolvimento intelectual crescente, em detrimento do seu desenvolvimento físico. Dessa forma, ele não estava mais engajado, como parte intrínseca, do meio natural do qual surgiu e agora formava-se; mas, antes sim, era um observador e modificador desse mesmo meio.

O ciclo do dia já não o aprisionava em suas formas imutáveis. O instinto cego, que no início de sua caminhada, o ajudou a sobreviver e evoluir, cedia agora espaços para as suas novas capacidades intelectuais, que brotavam em seu cérebro, ainda primitivo. Mas que, já faziam dele, divergente de todos os outros seres; elevando a vida dessa maneira, a sua forma mais suprema.

Todos os seres viventes são reflexos da dependência ao ambiente onde estão inseridos; fazendo dessa dependência uma interligação vital, na qual todos participam intrinsecamente desse encadeamento formado. O homem, na "pele" de um remoto ancestral rompeu, vamos assim dizer, com essa cadeia, através de um desvio evolutivo que lhe foi concedido e que, como veremos, lhe deu as condições de seguir sozinho no sentido de não mais depender desse encadeamento natural, distanciando-se dele na medida direta concernente à forma em que o processo evolutivo o moldava à margem de todas as demais espécies.

Afastando-se então, do grande bloco vital, esse ser primitivo e primordial teve que buscar no novo ambiente condições para sobreviver. Teria que conseguir essas condições de forma inédita, alijado que estava da natureza como um todo e, por conseguinte, também de suas regras e de suas leis.

Buscou, então, no desenvolvimento de seu cérebro emergente os meios para suprir essas leis milenares e, dessa forma, ganhar a sobrevivência. Na companhia de seus semelhantes encontrou a segurança e compensação para a sua já pouca "roupagem" física, tributo que a evolução ia lhe cobrando, na medida em que avançava na sua elaboração cerebral, medida essa, proporcionalmente inversa, como dissemos, ao seu desenvolvimento muscular.

Davam-se então, os primeiros passos nessas etapas iniciais, na medida do seu tempo, no sentido de propiciar elementos para os definitivos rompimentos na cadeia natural, que tornara assim o novo ser, nosso primeiro ancestral essencialmente livre na natureza. Dessa forma, totalmente desvinculado como componente (interdependente de todo o bloco vital).

Esse elo partido que lhe condicionou a independência e o propiciou dissociar-se das leis naturais, as quais anteriormente recebia na forma de herança instintiva, espécie de guia mental imutável e implacável que recebem ao nascer todos os demais seres irracionais e que os condicionam a sobreviver. Ficou estacionado no tempo sem conseguir adaptar-se. Todavia, sabe-se que da sua existência, desaparecida há milhares de anos, os iniciais antepassados do homem tiraram as primeiras sementes mutantes, que os adaptaram e os selecionaram para sobreviver em um novo meio, ao qual lhes era desconhecido. Essa anterior forma de vida que o precedeu e lhe deu origem, e que de acordo com os processos evolutivos, concedeu-lhe a oportunidade de continuar nesse novo ambiente e adaptar-se, em detrimento de sua própria sobrevivência, constitui-se ao certo, no que compreendemos por "elo" perdido. Tronco de onde ramificamos e nos separamos, digamos assim, dos demais seres irracionais.

Constitui-se por isso mesmo, em sua essência, no momento em que nosso primordial ancestral quebra a barreira que o unia de forma interdependente ao bloco vital, e possibilita a dar os primeiros passos na direção que o levaria até nós, homens atuais.

O meio ambiente onde todos os seres estão inseridos poderá sofrer modificações. Só os que acompanharem essas modificações, adaptando-se, conseguirão sobreviver, prosseguir e deixar descendentes. É através da seleção natural e dos mecanismos de transmissão genética que ocorre essa escolha na natureza; e da mesma maneira o ser evolui e se recicla. Sendo assim, essa adaptação só ocorre se houver uma perfeita sintonia na relação entre o meio ambiente que sofreu modificação e a carga genética recebida pelo novo ser, que tenta adaptar-se. Dessa maneira, uma modificação em relação ao ambiente necessita uma modificação referente ao ser (mutação genética), selecionando, ainda por fim, essa mutação, a uma adequação desse mesmo ambiente, tornando o novo ser mutante apto ou não ao novo meio modificado.

Repetindo, então: se um determinado meio ambiente não se modificou, os seres que nele vivem e que receberam dos seus ascendentes a mesma carga genética, que os mantinham adaptados, continuarão sobrevivendo nesse mesmo meio, ao passo que, se o meio natural modificou-se, os seres que receberam das antigas ascendências as mesmas informações genéticas, não conseguirão adaptação, pois como não mudaram não acompanharam as modificações ambientais, e dessa maneira não garantiram a sobrevivência.

Porém, ao ser que foi transmitida uma informação genética que o selecionará ao novo meio modificado, adaptar-se-á e deixará descendentes também aptos. É, portanto, dessa maneira que a natureza consegue a sobrevivência para todos os seres vivos através dos tempos. Levando e adaptando a vida a todos os recantos do planeta. Para isso, vale-se da evolução como mecanismo natural, no sentido de contornar com suas espécies viventes, as modificações que possam vir a ocorrer no seu nicho ecológico, e consequentemente, não deixando que a chama da vida se apague.

Essa característica das espécies de, em determinado momento (ao acaso), transmitirem genes mutantes a seus descendentes, os tornando cópias em alguns aspectos diferentes de sua própria espécie original, consegue, dessa forma, transmitir às novas gerações essas mesmas características herdadas; é que bem representa, no bojo de todo esse mecanismo que propicia manter acesa a centelha da vida, na importância do seu valor, o verdadeiro combustível para essa mesma chama nunca se extinguir.

Tudo isso aconteceu e se conjugou para o surgimento e conseqüente elaboração dos primeiros estágios de formação de nossos ancestrais.